sexta-feira, 20 de abril de 2007

Sobre vaias, intolerâncias e perseguições.

Às vezes a torcida do Flamengo parece acometida por uma lógica fraticida. Cada grupo parece querer provar que é mais "puro" e "verdadeiro" do que outros, e que encarnam mais fielmente o que é "ser rubro negro". Lembro-me imediatamente das pancadarias que ocorriam no movimento estudantil, em que cada facção acreditava ser mais "de esquerda" do que as demais, como se a correta posição política pudesse ser derivada de alguma credencial de purismo ideológico. O resultado era o de sempre: a ação comum era esquecida.

A discussão em torno de vaias ao time não é de todo inútil, mas resvala inevitavelmente para um embate do tipo descrito acima. Faz sentido nos patrulharmos e nos cobrarmos dessa forma? Daqui a pouco, existirão tendências internas na torcida, cada qual mais dedicada a ferrar as outras do que torcer efetivamente pelo Clube de Regatas Flamengo.

Dito isso, peço licença para externar minha opinião sobre o tema, sem cair na lógica da "guerra civil" que ameaça a convivência neste blog. Concordo com o Artur a respeito do direito sagrado à vaia, afinal a torcida não é mero acessório, mas depositária legítima da memória coletiva rubro-negra. Um clube universal como o nosso não existe numa rua ou num estádio, mas no imaginário de gerações de rubro negros, que transformam títulos em narrativas épicas e fazem do clube algo vivo e pulsante. Nesse sentido, o Flamengo pertence mais aos 35 milhões de torcedores do que aos que temporariamente andam por lá, sejam eles treinadores ou jogadores.

Entretanto, não vejo esse clima de apocalipse que o amigo Artur aponta. Andamos jogando mal? Sim. Não ganhamos nenhum clássico regional ainda? Também. Nosso ataque anda beirando a indigência? De fato. Isso é motivo para enxergarmos o abismo a cada jogo? Não. Bem ou mal, as metas projetadas foram cumpridas, o time tem uma escalação base razoavelmente definida e esse mesmo elenco já provou que tem capacidade de superar condições adversas e jogar bem. É óbvio que não estamos no melhor dos mundos, mas estou longe de ver essa incompetência toda no Ney Franco. Aliás, ao reclamar das vaias, nosso treineiro fez o básico: proteger sua equipe e valorizá-la. Estranho seria vê-lo concordando e dizendo: "a torcida sempre tem razão, tem mais é que vaiar esses vagabundos". Esse método Renatogauchesco de ser - "eu tento, mas os caras são ruins" - sempre me pareceu covarde.

Finalizando este post gigantesco, diria que a torcida, a despeito de ter o direito legítimo a vaia, nem sempre o exerce com sabedoria. Pessoalmente, nunca concordei com vaias durante o jogo e marcação especial em cima de certos jogadores. Nunca vi alguém jogar melhor depois de passar um tempo inteiro sendo perseguido por um Maracanã hostil. Acabado o jogo, é outra história. Mas gritar "Obina" a cada lance errado de Roni não me parece algo muito produtivo. O coro não vai curar magicamente nosso herói, nem transformar o pequeno Roni numa cópia do baiano. Do mesmo modo, ver no cara que vaia um potencial "traidor" não transforma ninguém em guardião da pureza rubro negra. A distância entre um "vaiador" contumaz e um patrulheiro do "bom comportamento" alheio é menor do que parece.

Flamengo Net

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