segunda-feira, 23 de abril de 2007

Seis por meia-dúzia

Maracanã, vestiário número 1. Os jogadores do Flamengo se concentram no corredor que leva ao gramado. Zico pede a palavra. Pede não, impõe.

- Porra! Quatro já esse ano. Quatro jogos, caralho. Vamos matar esse babacas - gritou em plenos pulmões, o 10 do Flamengo.

- Vamo Mengo. A gente precisa dessa porra - corrobora um emocionado Leandro.

- Tomá no Cú Botafogo! - é o que exclama Nunes, possesso e danado, como sempre.

Andrade em silêncio.

Esse é o clima no Flamengo. O Botafogo entrava em campo para mais uma vitória sobre o rival em 1981. Mas mesmo com essa supremacia temporal, os jogadores já sabiam que aquela tarde seria especial.

Os times entram no gramado.

O Maracanã recebe um excelente público. O dia é chuvoso. Só isso já prevê um Flamengo x Botafogo épico. Zico olha para o outro lado e vê aquela maldita e surrada faixa "6x0" na torcida do Botafogo. Vêm à sua cabeça as lembranças das chances que o time teve de devolver a surra, mas nunca conseguiu. Em 1974, Ele fez 3 gols e o Fla venceu por 4x0. Em 1979, venceram por 3x0 com gols no início do jogo, mas o Mengo sempre parava de jogar e não chegava à marca histórica. Será hoje?, pensa o Galinho.

Ele olha os adversários no gramado. Olha seus companheiros. Vai começar.

Passa Adílio! - grita Lico. Adílio dispara pela lateral, recebe bola fantástica e cruza. Nunes aparece pela esquerda e sem deixar a bola tocar o chão, abre o marcador na Avenida General Severiano. A Nação explode.

POOOOORRA! É GOOOOL! MENGOOOOO - sai correndo e berrando o João Danado, enquanto a Raça canta a "alegria ser rubro-negro", aos 7 minutos de jogo.

- Merda - fala baixinho Paulinho, o treinador do Botafogo. Mal sabia ele...

- Vem Rocha, seu merda. Tenta pegar - desafia Leandro, antes de enfiar a bola entre as pernas do rival que cai sentado. Leandro sai rindo. Vira o jogo para Junior. De primeira, o Capacete solta pra Adílio.

- Adílio dribla um, passa pelo segundo. Cadê? Cadê porra?? - É o próprio narrando a jogada enquanto deixa os botafoguenses perdidos.

- Manda! - ordena Zico. Ele recebe e chuta. A bola bate em Jorge Luís e volta. O 10 mata na coxa, arma a canhota e fuzila. Já está 2 a zero. O Maracanã ainda vibrava pelo primeiro. Vem abaixo. Leandro ri. Mozer abraça Raul e vai com o goleiro comemorar com a torcida. Zico é agarrado pelos companheiros. O dia histórico segue seu curso.

Paulo Sergio, o goleiro do Botafogo implora que seu time acorde. Alguém tem que parar o Flamengo avassalador. O Fogo começa, pela terceira vez em menos de 20 minutos, o jogo e já perde a bola. Andrade pega.

- Tita! - e passa.

- Toma! - diz e devolve Tita.

- Corre Adílio! - a bola voa para o pretinho que dribla até dentro de elevador. Chega Zico!!, pede o camisa 8. O Botafogo nem sabe a marca da bola. Zico de primeira solta para Nunes. Este tenta um calcanhar e erra. Mas tudo dá certo e ele ainda ajeita.

Lico chega batendo e urrando - TOMA!! POOOOORRRA! Já está 3 para o Flamengo. Nem vinte minutos de jogo se passaram.

"Nem o mais otimista dos torcedores do Flamengo poderia esperar esse 3 a zero logo no início", são as palavras de Galvão Bueno na cabine de transmissão, Waldir Amaral.

Mas o Fla não se contenta com 3. Quer 4. E a falta quase na linha do escanteio, pela esquerda é a senha.

Zico faz só a menção com a cabeça. Adílio sabe o que significa. O cruzamento vem, perfeito. Paulo Sergio sai em vão. Adílio, baixinho, sobe como um coelho e define o lance. Primeiro tempo: Flamengo 4, Botafogo, nem passou do meio campo.

Jairzinho entava no jogo de 1972. Ele está em campo agora. Experiente, sabe que o mundo está prestes a acabar em pouco tempo, para o Botafogo.

- Quenmnshos vex! Quenmnshos vex! - um grito baixo e indecifrável vem das arquibancadas do Flamengo. O que estariam gritando os torcedores? - Quenmnshos vex! Quenmnshos vex! - repetem, mas nem todos, só um pequeno grupo.

Zico recebe, toca de primeira e fala - corre atrás rapá. Hoje você vão tomar uma surra. A bola vai pra Júnior que também solta de primeira. "Hehehe", baixinho, irritante é o som que sai debaixo dos seus bigodes enervando o marcador. O Flamengo toca a bola. O Botafogo corre, corre, corre....

Para a graça dos alvinegros, o futebol tem dois tempos e o primeiro acaba.

Os jogadores do Flamengo estão quietos, saem em silêncio, mas todos pensando a mesma coisa. É hoje. O treinador fala de tudo no vestiário. Sobre o jogo, sobre o clima, Diretas Já, independência de Antigua e Barbuda mas os atletas apenas ouvem. Olhos no horizonte. O pensamento é único, embora ninguém diga nada. E depois de 15 intermináveis minutos, voltam ao gramado. Um tempo para a história.

- Quenmnshos vex! Quenmnshos vex! - quando pisam em campo, ouvem de novo da arquibancada. Nunes pergunta à Lico "que isso?". "Não sei, não to entendendo", responde o 11.

Vem a segunda etapa.

Pega! Pega porra! - desespera-se Paulo Sergio. Ele vê Adílio correndo pela esquerda. Vai parar com bola e tudo dentro do gol. Rocha chega por trás. Um carrinho e pênalti. A torcida do Flamengo berra alucinadamente. O quinto gol está desenhado. Zico na bola. Autoriza o árbitro. Zico corre, fuzila, comemora. Cinco para o Flamengo. E Nunes finalmente entende o grito da Nação.

- QUEREMOS SEIS! QUEREMOS SEIS! - é o que as gargantas de todos os Flamengos no mundo gritam naquele momento. Zico grita isso para o seu time. Leandro cerra os punhos. Não tem mais como segurar.

O goleiro do Botafogo começa a agarrar tudo. Chutam de todos os lados, mas nada entra. É ataque contra defesa. Mas Paulo Sergio ganha braços e aguenta.

O tempo passa. Botafoguenses continuam no estádio na esperança do jogo acabar sem os malditos seis. A faixa está tremendo na arquibancada. Sabe que em poucos minutos será aposentada, queimada, jogada no lixo. Por quase 10 anos ela esteve ali, imaculada e idolatrada pelo Botafogo.

O Flamengo tenta. Se mata. Luta e conquista cada bola como se fosse a última no mundo. Quarenta e dois minutos, quatro + dois, seis. Adílio, sempre ele, desce pela esquerda. Tenta mais uma vez e cruza para Zico. A zaga tira, mas a bola cai na MEIA-lua. Andrade, botafoguense na infância, camisa 6 do Flamengo, dá o tiro. A bola voa, estufa a rede do Botafogo. Nove anos engasgados na garganta dos rubro-negros são colocados para fora com estilo. Jairzinho sente na pele a dor de ser humilhado pelo rival. A faixa queimará numa fogueira antes da noite acabar. O Flamengo está vingado.



Alguém lembra de outro Flamengo x Botafogo foda que possa nos aquecer até domingo? Manda ai.

Flamengo Net

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