Fique em pé, Leão
Foi um jogo comum. O Flamengo atropelou o Corinthians sem suar as camisas e sem sujar os calções. Amanhã, na lavanderia da Gávea, o dia será dedicado aos uniformes dos juniores, dos juvenis, dos infantis. O fardamento que foi usado pelos profissionais na tarde deste domingo saiu do Maracanã imaculado. A esta altura, deve estar dobrado e acondicionado entre a bagagem do vôo de segunda-feira, rumo ao Coliseum de Los Angeles.
Deste modo, era de se esperar que as explicações de Leão, o pitoresco treinador corintiano, não escapassem das suas tradicionais rusgas com os repórteres e das acusações de sempre contra a arbitragem. Mas, mas. Não se sabe se foi o sol do meio da tarde, ou a constatação de que passou a vida se ferrando de verde e amarelo diante do Flamengo, mas a notícia é que Leão surtou durante a coletiva e chamou o Mais Querido de esse time aí.
Esse time aí. Ora, eu cá não sei se alguém no mundo pode chamar o Flamengo de esse time aí, mas se há um cidadão no mundo que precisa pedir licença _por escrito, em três vias_ para se referir ao Flamengo, sem abrir mão do tratamento de excelentíssimo, esse cidadão é Emerson Leão, pois não? Aos fatos.
Leão ganhou a vida como goleiro. E alguém tem alguma dúvida de qual é a imagem mais repetida da vida e da carreira de Leão? Seja em foto ou película, é o vôo frustrado do arqueiro vencido pela cabeçada fulminante de Antônio José Rondinelli Tobias, em 1978. O gol de Rondinelli é evocado cada vez que se fala de uma vitória do Flamengo sobre o Vasco. Só nesta final de Copa do Brasil estima-se que tenha sido exibido na televisão umas duzentas vezes. Fora a foto clássica nos jornais. O mesmo fato, repetido centenas de milhares de vezes nos últimos vinte e oito anos. O mesmo Rondinelli exterminador, o mesmo Leão abatido com um tiro certeiro. É o predicado mais freqüente de Emerson Leão: o goleiro que levou o gol do Rondinelli.
É injusto, claro. Leão fez mais para entrar na história. Levou também os três gols do tricampeonato de 1979, e estampou as capas dos jornais tentando alcançar a cabeçada de Tita.
Mesmo fugindo do confronto citadino, Leão continuou cavando seu lugar na história através do Flamengo. Estava no Grêmio em 1982 quando voltou a ser capa de O Globo: estirado no gramado do estádio Olímpico, com a bola chutada por Nunes dentro de seu gol.
Alguns podem contestar, dizendo que quantidade não é qualidade, mas eu penso que grande obra de Leão foi no ano seguinte, ao levar oito gols do Flamengo em único jogo. Três deles, absolutamente normais, foram anulados pelo piedoso árbitro Roque José Galas, e o placar terminou como Flamengo 5x1 Corinthians. Mas Leão sabe que levou OITO gols do Flamengo em um único jogo.
Os anos seguintes foram uma boa oportunidade de recordar 1978. Em 1984, primeiro jogo do campeonato brasileiro, Flamengo 1x0 Palmeiras de Leão. Gol de cabeça. Em 1985, novamente 1x0 para o Flamengo. Novamente um gol de cabeça. Novamente Leão buscando no fundo da rede.
E, como recordar é viver, no ano passado o Palmeiras treinado por Leão perdeu para o Flamengo por 1x0, dentro do Parque Antártica.
Assim, posto que perder para o Flamengo é um velho hábito de Leão, o que poderia ter causado o ataque de pelanca no vestiário do Maracanã?
Creio que descobri a resposta ao fazer esta breve retrospectiva. Daqui por diante, sempre que falar do Flamengo, Emerson Leão deve permanecer em pé. Tanto por reverência quando por cuidados físicos. Porque a verdade, Emerson Leão, é que esse time, o Excelentíssimo Clube de Regatas do Flamengo, é um time que te arde os entrefolhos, que te arromba até a alma. Fique em pé, Leão. Recordar é arder.
domingo, 15 de outubro de 2006
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