quarta-feira, 17 de novembro de 2004

Mais um aniversário. O Flamengo e a República.

Colegas, 15 de novembro foi mais um aniversário rubro-negro. Consta que a data "verdadeira" de fundação do clube não é nesse dia, mas os nossos antepassados preferiram fazer coincidir Flamengo com República. Acho isso sintomático, ilustração perfeita do que é nosso clube, e do que ele representa na cultura brasileira.

Não existem muitas instituições centenárias e veneráveis no Brasil. A República tem seus símbolos, suas histórias, e hoje parece ter se consolidado como nosso regime de preferência . O Flamengo, ao contrário, possui não apenas solidez e tradição, mas alimenta também uma enorme paixão na vida cotidiana dos brasileiros. Isso não é pouco.Nossa República, instalada em 1889, ainda busca isso, a adesão apaixonada de seu povo aos seus valores.

Como sabemos, o Fla não nasceu no subúrbio, e nem se consolidou como um time "operário" -- como Vasco e Bangu. Ele foi gradativamente ganhando o povo, com seus treinos na praia do Russel, configurando desde sempre a marca do que seria o Flamengo : um clube voltado para fora, aberto, como uma casa que nunca fecha os portões e onde todo mundo entra e sai na maior tranquilidade. Não somos, portanto, um clube de "comunidade", que se organiza em torno de um grupo tradicional de torcedores, sócios ou bairros. O carrossel de emoções que marca vitórias e derrotas do Flamengo se deve a essa característica, pois estamos expostos em praça pública, e todos se sentem partes integrantes da instituição. Médici, ditador de triste figura, era torcedor do Flamengo. A massa de desdentados, negros e pobres que se apinham em favelas do Grande Rio, como lembrança constante dos efeitos do "milagre", também o são. E se sentem, com razão, mais "donos" do Flamengo do que qualquer presidente.

O torcedor do Flamengo não é um apaixonado por futebol. Não é um aficcionado clubístico, nem um fanático. É simplesmente um cidadão que carrega um time n'alma, como se o Flamengo não fosse propriamente uma instituição, mas um valor partilhado por milhares. E que valor é esse? O "urubu", o "time de favelados", o "Framengo", "a mulambada". No último país a abolir a escravidão, uma ralé destituída de direitos ousou se apropriar de um clube e transforma-lo numa comunidade generosa, aberta e solícita. Ao aderirmos ao Flamengo, aderimos a um projeto de vida e de país. Esse projeto se firma na crença de que um país mestiço, negro, distante do figurino das sociedades "civilizadas", pode ser uma nação original. A paixão de milhares de pessoas pelo Flamengo nos lembra a todo tempo que "os de baixo" podem produzir um bem coletivo que não é exclusivo de ninguém. Com não tem dono, o Flamengo pode ser passado de mão em mão, como um brinquedo popular já meio gasto nas mãos de crianças. É desse espírito livre que surge a força do clube.

O Flamengo é grandioso, mas não tem ares de nobre aristocrático. Sua grandeza vem da familiaridade e da crença de um povo na sua própria força e inventividade. Nosso time não vivie apenas de tradição e salas de troféus (embora tenhamos muito das duas coisas), mas sim da energia apaixonada de milhares de indivíduos que vêem no Flamengo uma encarnação do potencial democratizante do Brasil. Vermelho e negro como uma vela de macumba, o Flamengo mostra que para ser elegante não precisa de um aristocrático salão em Laranjeiras. Também não precisa ser "o primeiro time que aceitou negros" para ser popular . O Flamengo não "aceitou" ninguém, ele foi tomado de assalto por uma massa de brasileiros que encontrou ali sua identidade original, identidade esta que não precisa de babados para ser elegante. O Flamengo tem a postura altiva de uma idosa mãe de santo, e desfila em campo e na arquibancada com o refinamento de uma escola de samba. Isso é elegância à brasileira.

Aos 115 anos de existência, nossa República ainda se debate diante da ausência de adesão apaixonada dos cidadãos aos seus símbolos. Se olhassem "para baixo", nossas elites republicanas aprenderiam como transformar uma instituição num valor compartilhado. Aprederiam como um "símbolo nacional" pode ser ao mesmo tempo venerável e amado. Nesta hora em que a mesquinhez e a falta de ousadia ameaçam reduzir o Brasil a uma República sem graça e sem criatividade, a última coisa que precisamos é de um Flamengo abandonado pelos seus torcedores. Uma Nação sem povo. Não façam isso.

Flamengo Net

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