Saudade com justiça

Os defensores da língua portuguesa costumam dizer que a mesma é tão linda, tão superior às outras, que "saudade" seria uma palavra que só é possível na nossa língua, tanto no significante quanto no significado, e toda essa espécie de coisas. Malgrado o fato de que há alguns blues em que "oooh, i miss her so much" dito por uma voz negra do Mississipi pode ser tão doloroso quanto "saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu", vamos dizer que saudade seja uma palavra especial mesmo. Uma palavra que pode ter equivalentes, mas jamais pode ser imitada em seu lirismo, em seu peso.
Apesar da campanha do Flamengo estar começando a me animar - ainda que não há a mais remota chance de se comemorar qualquer colocação acima do décimo lugar -, fiquei pensando outro dia em como tenho maltratado a minha saudade. "Minha saudade transformou-se em agonia", dizia Adelino Moreira, numa balada triste cantada por Nelson Gonçalves no tempo em que anúncio se chamava reclame.
Em um dia péssimo de Reginaldo Araujo, me peguei - confesso, isso é crime de lesa-pátria - pensando que poderia ter saudades até do Maurinho. Quando dei por mim, quase me ajoelhei no milho para me penitenciar por um pensamento tão vil. Outro dia, declarei em alto e bom som, com a baba convicta de um brizolista diante de um CIEP, que "Fábio Baiano é muito melhor do que Douglas Silva". Ora, claro que é.
Mas daí à gente poder dizer que "tem saudades do Fábio Baiano", vai uma distância enorme. Eu tenho certeza de que Alessandro, Rodrigo Mendes, Fábio Baiano, Jorginho (ai, meu Deus, do que me livraste), Fabinho, e até - pasme - o André Gomes teriam lugar no time do Flamengo que veio perdendo no primeiro turno. Pelo menos no lugar do Douglas Silva.
A saudade é um sentimento nobre, é um horror disfarçado da mortalidade, é a constatação estupefacta de que algo já passou inexoravelmente, mas também pode ser o amor em forma de distância. Enfim, a saudade é tudo isso e muito mais, MENOS a vontade de ter de volta alguém como Maurinho, Fabinho ou coisa do gênero. Esses sentimentos, claro, a gente deve guardar para o Zicão, para chorar ao ouvir o Moraes Moreira perguntando como é que se fica, ou mesmo guardar para os gols do João Danado. Agora, ter saudade do Fernando (que vá para os quintos dos infernos e nunca mais volte), aquele zagueiro horroroso que teria nos levado à segunda divisão ano passado, aquela merda metida a "capitão", porra, como é possível ouvir alguém dizer que tem saudade do Fernando?
O Flamengo tem sido assim: basicamente temos formado um time pior do que o outro, numa espécie de ladeira abaixo. A chegada de Moraci Santana, mais até do que a de Ricardo Gomes, é a chance de finalmente mudarmos isso. É a chance de não usarmos mais a palavra Saudade de uma forma tão vil e torpe. Vamos MANTER os caras para o ano que vem, vamos sair desse pesadelo de rebaixamento, e ter o privilégio de fazer uma pré-temporada com o Moraci. E, se tudo der certo, não vamos ouvir ninguém falando em saudade de Fábio Baiano. Ou da primeira divisão.
segunda-feira, 23 de agosto de 2004
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