terça-feira, 7 de agosto de 2012

Alfarrábios do Melo

Saudações flamengas a todos.

É tempo de Olimpíadas. Naturalmente, todos os veículos de comunicação dão maior atenção ao tema, que costuma despertar o interesse geral, especialmente se há algum brasileiro em disputa, seja qual for a modalidade. Com a internet e o crescimento das redes sociais, blogosfera e outras formas digitais de expressão, o fenômeno ganha ainda mais impulso, e não é raro nos depararmos, nessa época, com “especialistas” nas mais diversas formas de prática esportiva, algo até surpreendente, dada a carência de tradição olímpica do nosso país.

Isto posto, outro dia pousei os olhos em um texto motivacional, indicando com otimismo as perspectivas da natação brasileira, torcendo para que os nossos nadadores atingissem o mesmo patamar glorioso de ícones como Gustavo Borges, Fernando Scherer, Djan Madruga, Ricardo Prado e Patrícia Amorim. Após certo susto (Amorim?), indaguei-me, invocando certa memória que ainda se me faz presente.

É para tanto?

E foi em busca dessa resposta que cheguei ao texto dessa semana. Boa leitura.

Patrícia Amorim – Uma Trajetória Internacional

Caracas, 1983. A equipe brasileira de natação que participa dos Jogos Pan-Americanos possui como sua principal estrela Ricardo Prado, recordista mundial dos 400m medley. Pradinho, como é conhecido, irá confirmar o favoritismo e conquistar a medalha de ouro, mas parte das atenções repousam em uma garota de 14 anos, que obtém o sexto lugar nos 200 m livre, marca razoável, mas bastante comemorada. Todos concordam que a jovem Patrícia Amorim é uma nadadora com grande potencial.

Potencial rapidamente traduzido em títulos no âmbito regional, nacional e sul-americano. Patrícia é um talento que conjuga força, velocidade e resistência, o que lhe confere versatilidade e competitividade nas distâncias de 200, 400, 800 e 1.500m, sempre nado livre. Os bons resultados logo chamam a atenção de patrocinadores como a Kibon, que adota a garota, dentro de um programa de estímulo à formação de jovens valores.

E o apoio logo se converte em resultados, uma sucessão de recordes sul-americanos que são divulgados com estardalhaço por uma mídia carente de ídolos olímpicos. É a época de Joaquim Cruz, Zequinha Barbosa, Oscar, Bernard, o próprio Pradinho e não muito mais. Nesse contexto, os sucessivos recordes continentais de Patrícia são encarados com esperança e entusiasmo.

Porém, a primeira ducha fria não tarda. Patrícia não consegue superar o índice estipulado pela Confederação de Natação (atual CBDA) em nenhuma das distâncias e não se classifica para as Olimpíadas de Los Angeles, em 1984. Os patrocinadores pressionam para que o índice (situado em algo em torno da 20ª e 25ª marca mundial) seja revisto, mas a federação se mantém irredutível. Desapontado, o patrocinador acaba custeando a viagem de algumas de suas nadadoras, para que absorvam o “espírito competitivo” de uma Olimpíada.

Passada a frustração da eliminação olímpica, Patrícia segue mantendo bom desempenho a nível nacional. Sua principal rival, a nadadora Cristiane Pereira, abandona as piscinas e se casa com o goleiro reserva do Vasco (Régis). Sem Cristiane, Patrícia passa a ser considerada a melhor nadadora brasileira da atualidade, quebrando com naturalidade e de forma sucessiva as marcas sul-americanas, o que lhe dá ampla visibilidade em jornais e revistas esportivas, muito por conta do forte e intenso trabalho dos patrocinadores. Assim, as palavras dedicadas a Patrícia são sempre cobertas de ufanismo, euforia, fenômeno, monstro das piscinas, entre outras loas.
 
Mas no âmbito internacional o desempenho segue modesto. Novamente Patrícia não consegue índice para a disputa do Mundial de Madrid, em 1986, e só entra na disputa porque a patrocinadora, após acordo, custeia-lhe a participação (e de outros atletas). Nem mesmo o opaco 20º lugar nos 800m livre desanima uma assanhada imprensa, que prefere exaltar-lhe a (nova) quebra do recorde sul-americano. Outras nadadoras conseguem resultados até melhores (como Cláudia Sprengel, 15º nos 400m medley), mas não obtêm a mesma boa vontade dedicada à garota-prodígio Patrícia.

Durante o Mundial, a equipe da Alemanha Oriental se interessa pelo perfil da delegação brasileira (garotas muito jovens) e propõe intercâmbio. Algumas conversas são iniciadas, mas o Brasil não se mostra muito interessado, “veja o caso da Patrícia, ela tem seu namorado, seu lazer, não podemos roubar-lhe a adolescência”, diz o chefe da delegação brasileira.

E com a adolescência intacta, Patrícia segue encantando o país e anônima no exterior. Vem 1987, o Brasil envia grande delegação para os Jogos Pan-Americanos de Indianápolis. Sabe-se que a competição terá nível técnico baixo, pois alguns países estarão com suas equipes reservas. Animada, a imprensa brasileira fala em “encher o peito de medalhas”.

Mas a realidade se mostra outra. Patrícia participa de diversas distâncias, mas seus melhores resultados são obtidos nas provas de revezamento (4º lugar). Termina em 5º em outras provas e não consegue nenhuma medalha, desempenho similar ao de outras nadadoras, como Georgiana Magalhães, Miriam Artur e Cristiane Santos, também finalistas em suas especialidades. O destaque brasileiro na competição é Cristiano Michelena, com uma prata e um bronze. O Brasil encerra sua participação no Pan sem nenhuma medalha de ouro na natação. Alguns setores mais lúcidos da imprensa começam a questionar de forma mais crítica o desempenho de Patrícia Amorim, tida como fenômeno e eterna promessa, mas incapaz de conquistar uma medalha em um torneio de nível técnico reconhecidamente fraco.

Mas o carinho da maior parte da imprensa continua, e Patrícia continua como o símbolo principal de uma modalidade cada vez mais esvaziada, especialmente com a aposentadoria iminente de Ricardo Prado. As conquistas do Flamengo no Troféu Brasil seguirão mantendo intocável seu status de estrela da natação nacional. E, enfim, o maior dos desafios se aproxima, as Olimpíadas.

A Confederação, muito criticada, enfim revê alguns critérios e flexibiliza seus índices, facilitando a ida de mais atletas para as Olimpíadas de Seul. Com isso, finalmente, após vários anos, a natação brasileira feminina enviará representantes para a disputa dos Jogos. Patrícia Amorim gosta de apregoar que é a primeira brasileira a disputar Olimpíadas após um hiato de anos, mas ela não detém sozinha essa primazia. Além de Patrícia, as nadadoras Adriana Pereira, Isabelle Vieira e Monica Rezende compõem a delegação.

A imprensa brasileira, de forma irresponsável, chega a instigar o público a torcer por medalhas das “nossas heroínas” da natação. A realidade, sempre crua, mostra não ser tão receptiva. Ao contrário do Pan, nas Olimpíadas está o que há de melhor, todas as principais atletas do planeta marcam presença. Nesse contexto, a Patrícia resta lutar por uma participação na Final. Final B.

Mas ainda assim, o fracasso é retumbante. Sua melhor classificação é o 24º lugar nos 400m livres, desempenho semelhante ao dos 200m livres, onde chega em 25º. Sempre amáveis, os jornais enfatizam que a nadadora foi a melhor latino-americana da prova. Patrícia naufraga junto com a equipe inteira de natação, cujo destaque é Rogério Romero, finalista nos 200m costas.

Diante desse cartel erigido em sua carreira internacional, pode-se depreender algumas conclusões. Patrícia Amorim foi um dos jovens talentos que despontaram no início dos anos 80 e aproveitou o aumento do investimento na modalidade, que também contemplou outras nadadoras. Inteligente, soube absorver muito bem o trabalho de reforço de imagem promovido pelo patrocinador e o processo de construção de seu perfil por uma imprensa sempre dócil e disposta a amplificar seus recordes (outras nadadoras também recordistas continentais, como Mayra Kekuchi, não desfrutavam do mesmo espaço).

Para se ter a exata dimensão da expressividade da marca continental, hoje, das 22 distâncias em disputa na natação feminina, o Brasil ostenta o recorde sul-americano em 17 dessas provas. O recorde mais festejado por Patrícia Amorim (percorrer os 800m em menos de 9 minutos) já foi superado em cerca de 30 segundos (uma venezuelana faz em oito e meio).

Finalizo e concluo algo aliviado, minha memória não me traiu, está em dia. A percepção acerca das potencialidades da nadadora Patrícia Amorim está intacta. Tratou-se de excelente nadadora, multicampeã e soberana a nível nacional e continental. No entanto, ao se expandir o âmbito para o escopo internacional, Patrícia reinou anônima e detentora de marcas medíocres. Longe, muito longe, completamente fora da realidade de nomes como Djan Madruga, Ricardo Prado, Gustavo Borges e quetais.

Mas numa coisa ela sempre mostrou um talento diferenciado. Desde muito jovem.

A autopromoção.

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