Saudações
flamengas a todos.

Isto
posto, outro dia pousei os olhos em um texto motivacional, indicando
com otimismo as perspectivas da natação brasileira, torcendo para
que os nossos nadadores atingissem o mesmo patamar glorioso de ícones
como Gustavo Borges, Fernando Scherer, Djan Madruga, Ricardo Prado e
Patrícia Amorim. Após certo susto (Amorim?), indaguei-me, invocando
certa memória que ainda se me faz presente.
É
para tanto?
E
foi em busca dessa resposta que cheguei ao texto dessa semana. Boa
leitura.
Patrícia
Amorim – Uma Trajetória Internacional
Caracas,
1983. A equipe brasileira de natação que participa dos Jogos
Pan-Americanos possui como sua principal estrela Ricardo Prado,
recordista mundial dos 400m medley. Pradinho, como é conhecido, irá
confirmar o favoritismo e conquistar a medalha de ouro, mas parte das
atenções repousam em uma garota de 14 anos, que obtém o sexto
lugar nos 200 m livre, marca razoável, mas bastante comemorada.
Todos concordam que a jovem Patrícia Amorim é uma nadadora com
grande potencial.

E
o apoio logo se converte em resultados, uma sucessão de recordes
sul-americanos que são divulgados com estardalhaço por uma mídia
carente de ídolos olímpicos. É a época de Joaquim Cruz, Zequinha
Barbosa, Oscar, Bernard, o próprio Pradinho e não muito mais. Nesse
contexto, os sucessivos recordes continentais de Patrícia são
encarados com esperança e entusiasmo.
Porém,
a primeira ducha fria não tarda. Patrícia não consegue superar o
índice estipulado pela Confederação de Natação (atual CBDA) em
nenhuma das distâncias e não se classifica para as Olimpíadas de
Los Angeles, em 1984. Os patrocinadores pressionam para que o índice
(situado em algo em torno da 20ª e 25ª marca mundial) seja revisto,
mas a federação se mantém irredutível. Desapontado, o
patrocinador acaba custeando a viagem de algumas de suas nadadoras,
para que absorvam o “espírito competitivo” de uma Olimpíada.
Passada
a frustração da eliminação olímpica, Patrícia segue mantendo
bom desempenho a nível nacional. Sua principal rival, a nadadora
Cristiane Pereira, abandona as piscinas e se casa com o goleiro
reserva do Vasco (Régis). Sem Cristiane, Patrícia passa a ser
considerada a melhor nadadora brasileira da atualidade, quebrando com
naturalidade e de forma sucessiva as marcas sul-americanas, o que lhe
dá ampla visibilidade em jornais e revistas esportivas, muito por
conta do forte e intenso trabalho dos patrocinadores. Assim, as
palavras dedicadas a Patrícia são sempre cobertas de ufanismo,
euforia, fenômeno, monstro das piscinas, entre outras loas.
Mas
no âmbito internacional o desempenho segue modesto. Novamente
Patrícia não consegue índice para a disputa do Mundial de Madrid,
em 1986, e só entra na disputa porque a patrocinadora, após acordo,
custeia-lhe a participação (e de outros atletas). Nem mesmo o opaco
20º lugar nos 800m livre desanima uma assanhada imprensa, que
prefere exaltar-lhe a (nova) quebra do recorde sul-americano. Outras
nadadoras conseguem resultados até melhores (como Cláudia Sprengel,
15º nos 400m medley), mas não obtêm a mesma boa vontade dedicada à
garota-prodígio Patrícia.
Durante
o Mundial, a equipe da Alemanha Oriental se interessa pelo perfil da
delegação brasileira (garotas muito jovens) e propõe intercâmbio.
Algumas conversas são iniciadas, mas o Brasil não se mostra muito
interessado, “veja o caso da Patrícia, ela tem seu namorado, seu
lazer, não podemos roubar-lhe a adolescência”, diz o chefe da
delegação brasileira.
E
com a adolescência intacta, Patrícia segue encantando o país e
anônima no exterior. Vem 1987, o Brasil envia grande delegação
para os Jogos Pan-Americanos de Indianápolis. Sabe-se que a
competição terá nível técnico baixo, pois alguns países estarão
com suas equipes reservas. Animada, a imprensa brasileira fala em
“encher o peito de medalhas”.
Mas
a realidade se mostra outra. Patrícia participa de diversas
distâncias, mas seus melhores resultados são obtidos nas provas de
revezamento (4º lugar). Termina em 5º em outras provas e não
consegue nenhuma medalha, desempenho similar ao de outras nadadoras,
como Georgiana Magalhães, Miriam Artur e Cristiane Santos, também
finalistas em suas especialidades. O destaque brasileiro na
competição é Cristiano Michelena, com uma prata e um bronze. O
Brasil encerra sua participação no Pan sem nenhuma medalha de ouro
na natação. Alguns setores mais lúcidos da imprensa começam a
questionar de forma mais crítica o desempenho de Patrícia Amorim,
tida como fenômeno e eterna promessa, mas incapaz de conquistar uma
medalha em um torneio de nível técnico reconhecidamente fraco.
Mas
o carinho da maior parte da imprensa continua, e Patrícia continua
como o símbolo principal de uma modalidade cada vez mais esvaziada,
especialmente com a aposentadoria iminente de Ricardo Prado. As
conquistas do Flamengo no Troféu Brasil seguirão mantendo intocável
seu status de estrela da natação nacional. E, enfim, o maior dos
desafios se aproxima, as Olimpíadas.
A
Confederação, muito criticada, enfim revê alguns critérios e
flexibiliza seus índices, facilitando a ida de mais atletas para as
Olimpíadas de Seul. Com isso, finalmente, após vários anos, a
natação brasileira feminina enviará representantes para a disputa
dos Jogos. Patrícia Amorim gosta de apregoar que é a primeira
brasileira a disputar Olimpíadas após um hiato de anos, mas ela não
detém sozinha essa primazia. Além de Patrícia, as nadadoras
Adriana Pereira, Isabelle Vieira e Monica Rezende compõem a
delegação.
Mas
ainda assim, o fracasso é retumbante. Sua melhor classificação é
o 24º lugar nos 400m livres, desempenho semelhante ao dos 200m
livres, onde chega em 25º. Sempre amáveis, os jornais enfatizam que
a nadadora foi a melhor latino-americana da prova. Patrícia naufraga
junto com a equipe inteira de natação, cujo destaque é Rogério
Romero, finalista nos 200m costas.
Diante
desse cartel erigido em sua carreira internacional, pode-se
depreender algumas conclusões. Patrícia Amorim foi um dos jovens
talentos que despontaram no início dos anos 80 e aproveitou o
aumento do investimento na modalidade, que também contemplou outras
nadadoras. Inteligente, soube absorver muito bem o trabalho de
reforço de imagem promovido pelo patrocinador e o processo de
construção de seu perfil por uma imprensa sempre dócil e disposta
a amplificar seus recordes (outras nadadoras também recordistas
continentais, como Mayra Kekuchi, não desfrutavam do mesmo espaço).
Para
se ter a exata dimensão da expressividade da marca continental,
hoje, das 22 distâncias em disputa na natação feminina, o Brasil
ostenta o recorde sul-americano em 17 dessas provas. O recorde mais
festejado por Patrícia Amorim (percorrer os 800m em menos de 9
minutos) já foi superado em cerca de 30 segundos (uma venezuelana
faz em oito e meio).
Finalizo
e concluo algo aliviado, minha memória não me traiu, está em dia.
A percepção acerca das potencialidades da nadadora Patrícia Amorim
está intacta. Tratou-se de excelente nadadora, multicampeã e
soberana a nível nacional e continental. No entanto, ao se expandir
o âmbito para o escopo internacional, Patrícia reinou anônima e
detentora de marcas medíocres. Longe, muito longe, completamente
fora da realidade de nomes como Djan Madruga, Ricardo Prado, Gustavo
Borges e quetais.
Mas
numa coisa ela sempre mostrou um talento diferenciado. Desde muito
jovem.
A
autopromoção.
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