terça-feira, 23 de agosto de 2011

Alfarrábios do Melo

Saudações flamengas a todos. Esperando uma liderança que teima em escorrer pelos dedos (sinto que, quando o Flamengo chegar à ponta, não largará mais), deixo mais um capítulo da história do grande ídolo Dida no rubro-negro. Os outros posts estão AQUI. No texto de hoje, uma passagem não muito feliz, embora assinale, ironicamente, o título mais importante de sua carreira. Boa leitura.

O Desabafo de um Craque

1958. O Brasil irradia um sorriso dourado, estado de graça em um momento em que tudo parece dar certo. A Seleção acaba de conquistar a perseguida e cobiçada Copa do Mundo, seus jogadores são recebidos como heróis e viram estrelas, desfilam em carro de bombeiro, exibem-se para o presidente, atingem o estrelato.

Mas Dida está triste.

Dida, aos 24 anos, exibe o auge de sua forma física e técnica. Dono da camisa 10 e ídolo incontestável no Flamengo, o jovem alagoano é naturalmente lembrado para a Seleção, juntamente com seus colegas Joel, Moacir e Zagalo. Com a camisa amarela, trava uma saudável disputa com o garoto Pelé, marca vários gols nos amistosos de preparação e ganha a posição quando Pelé se contunde seriamente e corre o risco de ficar fora do Mundial. Ao final da Copa, Dida acrescenta ao seu já vasto currículo o título de campeão do mundo.

Mas Dida está magoado.

A estréia é contra a Áustria. Dida, poucos dias antes da partida, sofre entorse no tornozelo. Precisa atuar com uma bota de esparadrapo. Joga no sacrifício. Mesmo assim, inferniza a defesa austríaca com sua movimentação, ajuda nos 3-0. Mas, lá pelo meio da segunda etapa, sucumbe à dor e faz número. A imprensa, especialmente a paulista, não perdoa. Amarelou, sentiu o peso do jogo. Um jogo mole daqueles, o time austríaco é uma baba, como assim amarelou? Não existe isso! Mas o fraco Feola não resiste à pressão e barra Dida para o jogo seguinte. Entra Vavá, que pouco faz contra a Inglaterra. O 0-0 mostra que o problema não era Dida. Mas não adianta. Os paulistas, notadamente o radicado Leônidas, seguem destilando sua bílis contra Dida. Pelé entra, faz história com Garrincha, o time encaixa e Dida, mesmo campeão, é escorraçado pela crônica. Uma sensação estranha.

E Dida está cansado. Mas precisa recomeçar.

Volta ao Flamengo, que vive um momento difícil. O Rolo Compressor vai sendo desmontado, peça por peça. Já saíram Rubens, Evaristo, Índio, Paulinho, Zagalo, e Joel já está de malas prontas para a Espanha. De volta ao clube, Fleitas Solich procura refazer a equipe, mas é difícil encontrar tantos talentos juntos novamente. Os destaques da nova geração são Moacir, Henrique e o folclórico Babá. Mas o Flamengo ainda está longe de se igualar à máquina do tri. Vai viver uma árdua transição por algum tempo. O Campeonato Carioca começa e o time sofre com a irregularidade típica das equipes em formação. Goleia alguns pequenos, mas perde para América e Bangu e se distancia da ponta.

Dida parece abatido.

A Gávea recebe um público morno para o compromisso flamengo seguinte, diante do Olaria. Lanterna, o adversário não assusta, a expectativa é de mais uma enfadonha goleada rubro-negra. Dequinha é um importante desfalque, mas Joel está de volta, já ensaiando sua despedida. O experiente cangaceiro Tomires, outro que provavelmente será negociado, retorna à equipe titular. Começa a partida, o Flamengo, como esperado, avança suas linhas contra a frágil equipe da Rua Bariri, mas nada parece dar certo, o time perde uma enxurrada de gols vai parando nas mãos do goleiro alvianil. Até que Dida abre o placar, e o 1-0 acalma o Flamengo. Acalma demais. O time diminui sensivelmente o ritmo e se torna presa fácil para a esbaforida marcação do Olaria. Mal, o Flamengo está mal. Termina a primeira etapa, o time sai de campo sob muxoxos.

Dida não está bem. Aliás, não joga bem desde a volta do Mundial.

As coisas não parecem dar certo, o ambiente no vestiário é de reclamações. O time vence, mas não convence, não flui, não mostra força. Falta movimentação, falta capricho, falta gana de se impor e mostrar-se Flamengo. Solich fala, gesticula, esbraveja. E suspira. Mas, num canto, cabeça baixa, Dida bebe água e resfolega. Está contrito, parece exausto.

Mas Dida está irritado.

Subitamente, o trilar do apito acende algo no ânimo de Dida. Uma doida e doída vontade de recomeçar, de responder, de colocar pra fora toda sua tristeza, sua mágoa, sua decepção, sua raiva. E pede a bola. E começa a correr como um juvenil. E enlouquece adversários e companheiros. O público não entende. A crônica não entende. Ninguém entende quando Dida começa a entortar quem lhe aparece pela frente, a sentar zagueiros ao chão, a pedir bola, a dar esporro, a assumir e a pegar o jogo pra ele.

Dida quer fazer gol.

O entusiasmo feérico de Dida azeita o time, que passa a funcionar redondinho. E os gols vão se multiplicando, empilhando. Todos de Dida. Num enredo deliciosamente repetitivo, Joel para Dida, gol. Babá para Dida, gol. Henrique para Dida, gol. Cada gol de Dida é um soco, um murro, uma estocada contra seus críticos mais ferozes. Cada lance perdido é sangrado, xingado, praguejado pelo craque, que vive uma impressionante catarse em campo. O jogo vai chegando ao final, e Dida não se cansa de marcar gols, de perder gols, de querer gols. Já nos descontos, Dida perde uma chance e xinga, depois ainda encontra tempo para um último tento. O jogo termina Flamengo 8-0 Olaria, e Dida marca SEIS vezes. Ironicamente, iguala o recorde de seu desafeto Leônidas.

Dida está de volta.

O Flamengo, comandado por Dida, ainda passará por um momento de transição, até montar novamente uma das melhores equipes do país. Dida seguirá escrevendo sua história com gols e belas jogadas, cada vez mais ídolo. A imprensa paulista ainda irá esperar um pouco para receber sua merecida resposta. Mais precisamente, três anos. Mas, de qualquer forma, isso pouco importa.

Uma Nação está ao lado de Dida. Isso basta.

Flamengo Net

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