sábado, 5 de julho de 2008

COLUNA DE SÁBADO - MAURICIO NEVES

Oremos


O jogo entre Flamengo e Náutico pelo campeonato brasileiro de 1989 tinha tudo para ser engolido pelo tempo. Sábado à tarde, pouco público e o Flamengo vinha de uma eliminação na Supercopa Libertadores. O resultado do jogo foi protocolar. Não foi uma goleada retumbante para ser lembrada por essas quases duas décadas, nem uma derrota que amargasse o passar dos anos. Vencemos por dois a zero, sem forçar o ritmo, na moral.

Mas a verdade é que foi um jogo histórico.

Talvez os mais doentes por detalhes, como eu, consigam se lembrar que o avante Alcindo fez um primeiro tempo bisonho, errando tudo o que tentou. Parecia sacanagem, mas não era. Era só o Alcindo mesmo, vagando pelo campo como uma alma penada, sem achar posição ou bola que lhe justificasse a presença. Como eu disse, era só o Alcindo mesmo. Mas o fato é que ele foi tão mal que a galera dedicou-lhe uma vaia impiedosa. Alcindo fez gestos obscenos para a torcida quando descia para o vestiário, o que bastou - de modo muito justo - para que a Raça e a Jovem passassem o intervalo pedindo o escalpo do insolente atacante errante.

Entrou Bujica em lugar de Alcindo. Mas não, não foi a insolência do que saiu e nem a presença luminosa do que entrou que fez o jogo entrar para a história. Ressalte-se que Bujica ainda era um mortal como qualquer um de nós naquele dia 14 de outubro. Somente quatro rodadas mais tarde, no dia 5 de novembro, ele deixaria de ser Marcelo Bujica para se tornar o primeiro e único Bujica-Bujicão-Bujicaço, um justiceiro rubro-negro que entraria para história do futebol como O Caçador de Marajás depois de deixar duas buchas nas redes cruzmaltinas.

O jogo entrou para a história por conta de quem mais história fez no Maracanã.

Já íamos pelos vinte e cinco do segundo tempo e nada de gol. Córner pela esquerda, baliza à direita das tribunas. Rei Arthur fez a bola flutuar até o primeiro pau. Renato Carioca, também chamado de Renato Laércio, aquele que veio do América, desviou de cabeça e fez um a zero. E assim, com esse um a zero, o jogo ia caminhando para ser apenas mais uma de nossas tantas vitórias, sem nada que merecesse destaque. Seria apenas uma lembrança pálida. Mas aos quarenta e quatro, última volta do ponteiro, o jogo entrou para a história.

Acho que foi o Zinho, mas pode ter sido Leonardo, dominou uma bola na esquerda e rolou de lado para Zico. Sua alteza dominou, carregou por dois passos, falseou ante o beque timbú e enfiou o pé direito. O chute rasteiro entrou entre o goleiro e o poste, selando a vitória.

É, é verdade. Não foi um golaço. Não figura na lista Top 100 de Zico. Mas enquanto eu sorria em frente ao televisor e os rubro-negros na arquibancada trocavam abraços, enquanto o goleiro do Náutico pensava na longa viagem de volta ao Recife e os jogadores do Flamengo retornavam ao seu campo para esperar pelo apito final, o velho placar luminoso do Maracanã exibia pela última vez a inscrição "10 - ZICO" após um gol do Flamengo.

Por volta das dezoito horas do sábado, 14 de outubro de 1989, Arthur Antunes Coimbra marcou seu último gol pelo Flamengo no Maracanã. E embora eu quisesse me dedicar a pensar no jogo de logo mais, embora fosse justo que eu estivesse apenas preocupado em ver o Flamengo manter a ponta isolada do campeonato brasileiro, enfrentar o Náutico no Maracanã me fará, para sempre, recordar o último gol de Zico com o Manto Sagrado no então maior estádio do mundo.

Pela gratidão de Arthur ter virado Zico e para que a saudade não nos carregue, oremos.

Flamengo Net

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