Junior, 1000 jogos - Texto 19 - Eu tiro o capacete - Por Roger Garcia*
Falou Júnior, me vem à memória imediatamente a imagem do jogador elegante, cabeça em pé feito um pavão, enveredando da lateral para o meio, jogada característica que o tornava o homem-surpresa vindo de trás naquele time mágico do Flamengo. Não costumava sair de primeira aquela enfiada de bola espetacular. Ele invariavelmente dava o chamado "come" antes de dar prosseguimento ao lance. Um colírio.
Quem admirava o seu futebol envergando o manto sagrado, e teve o privilégio de vê-lo em ação desde 74, época em que se firmou na Gávea, não cansou a vista ao longo dos anos em que foi a própria encarnação da pele rubro-negra.
Dos seus pés saíram jogadas antológicas, como uma em que a retina tratou de armazenar a bela seqüência de dribles que aplicou num lateral na linha de fundo, mas que o tempo tratou de me provocar pequeno lapso de memória sobre qual era o adversário. Pouco importa. O que fica é arte. Quando fingiu que centraria de canhota - cuja perna era quase tão boa quanto aque lhe acompanhava -, cortou para dentro. Daí o marcador tentou impedir o que imaginou que seria o cruzamento. Júnior cortou de novo para o fundo. Já batido e envergado, o infeliz defensor foi no desespero para travar. Que nada: viu apenas a sombra em vermelho e preto. E tome novo drible. O gol de Zico no complemento foi um detalhe.
Mas não foi esse o momento que mais simboliza o craque da camisa 5 daGávea. Júnior foi a conjunção de técnica e garra, de vigor e leveza, um monstro sagrado. O mais marcante foi o carrinho com o qual dividiu a bola com Mazaroppi, goleiro do Vasco, na intermediária do gramado do Maracanã, após acelerar fundo e se lançar como uma flecha. Com toda a gana, com a alma, para delírio da massa. A bola respingou para Nunes, que, do meio da rua e sem goleiro, marcou um golaço. Inesquecível!
Júnior fez história, não apenas por ter sido o jogador que mais vestiu a camisa do Mengão em todos os tempos, mas sobretudo pela figurinha com o seu rosto que grudou no álbum eterno da torcida. Para ele, eu tiro ocapacete.
* Roger Garcia é co-autor da biografia de Zico e Editor do Lance. Escreveu esse texto especialmente para essa homenagem.
sexta-feira, 22 de outubro de 2004
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